A Cigarra e a Formiga

Lixo Bom
24 de Maio de 2020

Em tempos de crise aguda no setor de transporte rodoviário, cabe uma reflexão a respeito dos modelos adotados em alguns outros países, os quais permitiram uma redução significativa em relação à dependência de veículos movidos a combustível base petróleo. Antes, contudo, é importante relembrar que sessenta por cento das cargas movimentadas anualmente pelo nosso país vão sobre rodas, em estradas ruins, quando poderiam ir muito mais barato por ferrovias e que o transporte de cargas do Brasil é um dos mais caros e ineficientes do mundo.    

Em países similares ao Brasil em extensão territorial, o transporte ferroviário conta com malhas ferroviárias que são de duas a dez vezes mais extensas que a do Brasil. Índia, Canadá e Rússia, países de grande extensão territorial, oferecem ao setor de transporte o dobro da nossa malha ferroviária, uma dimensão média da ordem de 77 mil quilômetros. Os chineses, por sua vez, contam com uma extensão de 125 mil quilômetros, mais do que quatro vezes a extensão da nossa malha.  Já, o setor de transporte dos Estados Unidos da América do Norte tem à sua disposição nada menos do que uma malha de 295 mil quilômetros, perto de dez vezes a existente no Brasil. Segundo dados da “RTA – Railway Tie Association”, naquele país foram aplicados até hoje 700 a 800 milhões de dormentes, com indicações de que 93% deste universo são representados pelos dormentes de madeira tratada. França e Itália, que possuem extensões territoriais equivalentes a dos Estados da Bahia e Maranhão, respectivamente, possuem malhas ferroviárias equivalentes às existentes em todo o Brasil, com opções para o transporte de cargas e de passageiros, com qualidade. Voltando um pouco na nossa história recente, é inegável que fomos entorpecidos pela atenção exacerbada que a indústria automobilística recebeu do nosso governo no final dos anos cinquenta e início dos anos sessenta, quando ocorreu um enorme impulso da indústria automobilística e por consequência do transporte rodoviário , em detrimento do transporte ferroviário e cabotagem. Esse verdadeiro mar de ilusões não nos permitiu ver, à época, que estávamos diante da condenação do modal de transporte ferroviário. Em pouco tempo, nossos avós não mais acertavam os seus relógios de bolso pelo horário da passagem do trem.  A lógica do transporte de cargas rodoviário costuma ser para distâncias de até 300 ou 400 quilômetros, deixando para distâncias mais longas o uso do trem. Porém, essa lógica não se aplica no Brasil justamente por não haver ferrovias disponíveis e, onde existente, é mal utilizada e administrada. O Brasil até tentou entrar no modismo da inovação, com tentativas de introdução massiva do etanol, que por sinal não abastece caminhões, e com propostas para a utilização em larga escala do biodiesel. Mas, tudo vem se resumindo a palavrórios e atitudes eleitoreiras que não levam a nada. Esquecem os senhores governantes e técnicos burocráticos, que um caminhão consome 2,3 litros de diesel para transportar uma tonelada de carga para cada 100 quilômetros, enquanto se mesma carga seguisse no vagão de um trem , seria gasto somente o equivalente a meio de litro de diesel para a mesma distância. Para nos colocar, ainda mais, diante de uma triste realidade, em um ranking envolvendo 136 países, o Brasil está na centésima nona posição quanto à qualidade das rodovias e em nonagésima terceira posição quanto à infraestrutura ferroviária, atrás até da Argentina, Bolívia e Peru. Os exemplos de sucesso em outros países parecem não sensibilizar nossos administradores públicos. Entre os anos de 1933 e 1937, diante de uma profunda crise econômica, o governo norte americano lançou um programa de aquecimento econômico, conhecido como “New Deal”, onde os investimentos públicos foram direcionados para expansão da infraestrutura, em especial a construção e modernização das malhas ferroviárias e redes de eletrificação, com grande absorção de mão de obra e resultados fantásticos, tanto que o PIB cresceu durante o primeiro e segundo mandatos do presidente da época, Franklin D. Roosevelt. Dormentes e postes de madeira tratada foram materiais estratégicos para o sucesso de tal programa, não à toa, são utilizados no mundo todo há séculos e são considerados como materiais facilitadores do desenvolvimento em países que promoveram e promovem a integração territorial. Não é por acaso que em alguns países desenvolvidos a versão da fábula de La Fontaine, “A cigarra e a formiga” é ensinada às crianças nas escolas desde a mais nova idade. Enquanto isso, por aqui, bem, por aqui estamos na expectativa da regularização da crise dos transportes para que seja garantido o abastecimento da cervejinha que vai regar o acompanhamento dos jogos da copa do mundo.

Flavio Geraldo
FG4Mad – Consultoria em Madeira
flavio@fg4mad.com.br